02 janeiro 2006

Episódio 2 - Vida de cão

AVISO: ESSE EPISÓDIO CONTÉM REVELAÇÕES SOBRE O ENREDO DO FILME "DOGVILLE".

CENA 1 (com Júlio e Bianca)

Segunda-feira, 10h. Enquanto fazem os preparativos da festa na Shadowplay, local da cidade aonde ocorriam eventos alternativos, desde shows de Rock a debates sobre livros, Bianca chega e encontra Júlio lá. Ele estava ajudando a organizar a discoteca.
- E aí, Júlio. Chegou cedo, hein?
- Digamos que sim. Decidi me antecipar e já iniciar os preparativos. Mudando de assunto, o Ed me disse que vocês iam ver um filme ontem. Foi o King Kong mesmo?
- Não. A sessão estava muito lotada. Além disso, eu já tinha visto no dia da estréia. Só iria na segunda vez por motivos de ordem "física", entende? E em cinema lotado, não rola. Então, eu e ele fomos na locadora. Assisti pela 3ª vez o "Dogville"! Já viu?
- Claro, adoro aquele filme. É quase indescritível o que eu senti ao vê-lo.
- Deixa eu adivinhar... você torceu pela morte deles no final?
- Óbvio! Você sabe que eu adoro ver personagens desprezíveis morrendo em filmes! Foi por isso que eu curti "Elephant". Pode até ser um prazer mórbido, mas aqueles habitantes do vilarejo mereciam aquilo.
- Também apoiei a decisão da Grace em pedir pro pai dela, o chefe dos gângsteres, autorizar o extermínio deles. Pô, ela sofreu o filme inteiro nas mãos daqueles desgraçados. Principalmente o Tom, culpado por tudo.
- Ele era um canalha. Na última chance que tinha para dissuadir a Grace da decisão dela, ficou falando daquela filosofia imbecil dele, de que o fato de ter se aproveitado dela não foi nada mais do que um "exemplo", e que seria material para o livro dele.
- Mas é assim mesmo. Acho que ele é uma metáfora para pseudo-intelectuais desumanizados. E a Vera?
- Representava as mães que mimam excessivamente os filhos, criando verdadeiros ditadores mirins e egoístas; e que toleram a infidelidade do próprio marido, e até os defendem das mulheres que são abusadas por eles.
- Nem me fale no marido dela... que porco chauvinista! Ele tratava a Grace como uma mera prostituta.
- Não só ele. Todos os homens de lá, exceto o Tom, transaram à força com ela. Isso sem contar os trabalhos compulsórios que impunham a ela, e até o absurdo de prenderem ela com uma coleira acorrentada a uma roda pesada. Como se ela fosse um animal! Como o ser humano pode ser tão mau e cruel?
- Pense bem, Júlio. Eles se sentiram sem escolha. A Grace, ao chegar lá como uma fugitiva, acabou com toda a tranqüilidade de Dogville. A polícia nunca tinha ido lá antes.
- Eu tenho uma tese para isso. O ser humano, quando perde a sensação de segurança, desperta sua face mais maléfica, um lado que ele mesmo não imaginava que tinha. Os homens são maus e sujos por essência. Foda-se Rousseau e os otários que acreditam que é a sociedade que o corrompe.
- Falou e disse. Já vi tantas perversidades que perdi minha confiança nos seres humanos. Nas cidades grandes, se vê um grande individualismo, aquela sensação de que "já que sou apenas mais um na multidão, não ligo para as outras pessoas, me importo apenas comigo". Uma vida de cão, é cada um por si.
- E nas cidades pequenas e isoladas como Dogville, é diferente, o que prevalece é um senso de coletividade excessivo, que os leva a essa "Atrocity Exhibition" (eu bem que te disse que Joy Division explica muita coisa =D). Se algum estranho entra na comunidade, há um senso de união, de "temos que manter a ordem"> Nisso, os habitantes da vila representada no filme, em vez de rejeitarem a Grace, supostamente demostraram bondade ao aceitá-la. Mas tinham segundas intenções.
- Exatamente! NOssa, eu compreendi justamente isso no filme! E no final, ela, após aguentar todo aquele sofrimento praticamente calada (e quando resolveu ser sincera, esbarrou na hipocrisia dos moradores de Dogville), finalmente toma uma atitude, e deixa de lado o que, segundo o pai dela, seria uma grande arrogância da parte dela: ser falsamente condescendente.
- Igual ao cristianismo, minha cara. As pessoas são domadas, adestradas. Em nome de uma ética maior, de uma moral regida pelo metafísico, se sujeitam a tudo. É por isso que eu sou ateu. Nietzsche explica muito bem o que eu sempre senti sobre os cristãos - eles estão errados em acreditarem que a fé move montanhas, que ser humilde é uma virtude. A virtude vem da vontade de potência, e não da fraqueza, da submissão!
- Você leu isso em "O Anticristo", não é? Me lembro bem desse trecho... ah, ainda sobre o filme, a Grace resumiu em uma frase toda a raiva interna dela, que foi simbolizada pelo ato de ela matar o Tom com as próprias mãos, em vez dos gângsteres fazerem o serviço. "Existem coisas que nós devemos fazer pessoalmente."
- Nossa, na hora em que ela falou isso eu até bati palmas!
- Hahahaha... você é incorrigível. Putz, estamos conversando há horas e não fizemos nada! Não se esqueça de que você vai ser o DJ da festa hoje!
- Eu sei. Vou organizar as mesas, então. Me ajuda com aquela ali. Mas vamos continuar conversando, detesto trabalhar em silêncio.
- Hehe, ok. Você viu que louco, no Dogville não haviam cenários! Só fizeram riscos no chão para representar as casas, o jardim, até o cachorro...

CENA 2 (com Sérgio e Giovana)

Enquanto rolava essa conversa entre Bia e Júlio, a Giovana e o Sérgio estavam combinando pelo telefone que horas ele iria buscá-la. Ele era o único da turma que tinha carro, e ficou de ser o "caroneiro". Eles aproveitaram e discutiram um pouco sobre música. Ela gostaria de saber quais bandas Júlio pretendia tocar na sua discotecagem.
- Rock alternativo em geral - disse Sérgio - O pós-punk de Joy Division, Smiths, New Order e The Cure, o shoegaze do My Bloody Valentine, o new indie rock de Franz Ferdinand, Interpol, Killers e White Stripes, e por aí vai. Talvez role até Beatles, Nirvana ou Pixies.
- Ótimo ainda bem que existe o Júlio. Estava cansado de ouvir gay music e eletrônico das discotecagens dos outros caras.
- Ah, vai me dizer que não curte Placebo, Scissor Sisters, Pet Shop Boys, Village People? =D
- Gosto, sim, mas toda vez toca isso! Cansei! Pô, ser indie não significa que, necessariamente, eu seja bissexual ou gay!
- Calma, vai ter muito hetero lá, não se preocupe... um dia você encontrará o "alterna da sua vida"... vou desligar, um abraço. E até lá.
Horas depois, mais exatamente às 20h, Sérgio buzinou na frente da casa dela. No carro, ela teve de se espremer, já que Alice, Tomás, Carla e Edgar também eram '"caronistas". Minutos depois eles chegaram à Shadowplay.

(CONTINUA NO PRÓXIMO EPISÓDIO)

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Kaio só vc!!!!!!!!!!
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Identifico vc em cada frase ou oração
Estou curiosa :P

2/1/06 20:49  

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