04 janeiro 2006

Episódio 4 - Conversas, e suas revelações

Cena 1 (com Edgar, Sérgio e Giovana)

Mais ou menos às três da tarde do dia seguinte, eles se encontraram no shopping e começaram a bater um papo "sobre a vida". Freud explica? Não, mas Seinfeld sim.
- A Bianca ainda está dormindo, Edgar? - disse Giovana.
- Sim... praticamente desmaiou quando chegou em casa. Fiquei até com pena dela.
- Oh, que gracinha! - ironizou Sérgio - Contou historinha pra ela nanar?
- Vai se foder, Sérgio! Não posso ser romântico? Meu estereótipo de adolescente que só pensa em sexo é tão forte assim?
- Calma, Ed - disse Giovana. - Não fique nervoso. Eu acho até bonitinho isso... me deu uma esperança em relação ao sexo masculino.
- Por que, você iria virar feminista? - rebateu Edgar.
- Que é isso, acordou com uma ressaca daquelas, hein? Não, estou falando que é difícil encontrar homens que tratem a mulher de igual para igual. Estou cansado de caras misóginos, que acham que a mulher é apenas um animal doméstico, e só vêem nela utilidades servis, como parceira sexual e responsável pela educação dos filhos e pela organização da casa. Não vejo nisso nenhum avanço em relação ao século 19.
- Concordo. - opinou Sérgio - Pelo contrário, com a liberdade sexual, a mulher foi ainda mais "coisificada", em propagandas de cerveja, em novelas, em filmes pornô e até em programas infantis, como uma mera dançarina erótica que "interage" com as crianças.
- Isso, Sérgio. A desumanização da mulher! Pô, somos muito mais do que gostosas peitudas e prestadoras de serviços horizontais! E nós indie girls, somos vistas apenas como "putas metidas a intelectualóides"! Isso quando não nos rotulam de "lésbicas mal comidas que se acham espertas". É um absurdo!
- No fundo, eu acho que isso é conseqüência de um grande medo que o homem tem da mulher. Ele sabe da grande força dela, da liderança e determinação que elas podem demonstrar quando necessário. E o homem não quis colocar sua razão e objetividade como questionáveis pela emoção e a subjetividade do sexo feminino, e por isso faz de tudo para oprimí-las, de qualquer maneira.
- Putz - disse Ed. - Está parecendo um psicanalista, Serjão! Daqui a pouco está falando de complexo de Édipo, hehe...
- E por que não? Talvez a própria educação da mãe influencie na personalidade do filho. Homens machistas são assim porque, muito provavelmente, suas mães se submeteram a eles, mimando-os excessivamente, criando neles uma imagem de desprezo e arrogância em relação às mulheres. O ódio que eles têm de suas mães se reflete nisso.
- Exato - disse Giovana. - Agora, com pais mais liberais, talvez o garoto entenda melhor a mulher. Sem querer puxar o saco, mas os pais do Sérgio são um bom exemplo, e hoje ele é esse cara adorável. =) A educação que a criança recebe na sua infância é muito importante na formação da personalidade dela. Eu mesmo sinto que o fato de meus pais terem se divorcido quando eu só tinha 7 anos fez com que eu acabasse encontrando nos amigos uma... válvula de escape para me consolar dessa desunião dos dois. E hoje os dois, mesmo já estando com novas famílias e consolidados, sentem que eu sempre valorizei mais a vida social do que a familiar por causa disso.
- Hum... olha só - interrempou Edgar, obviamente querendo encerrar a discussão - Enquanto conversávamos devoramos todo esse lanche! Caramba, vou lanchar mais vezes com vocês!

Os outros dois riram. E como se toda aquela discussão "filosófica" não tivesse ocorrido, eles começaram a contar anedotas, e se divertiram um pouco para se descontraírem, esquecendo dos problemas da vida.
Mas parece que não foi a mesma coisa que os outros dois do fab-six estavam fazendo...

Cena 2 (com Júlio e Carla)

Nesse mesmo momento, Júlio e Carla conversavam no MSN.
- Júlio, você sabe o que é se sentir sozinho?
- Que pergunta óbvia. Eu faço isso o tempo inteiro.
- Tudo bem, mas você se orgulha disso?
- E por que não deveria? Eu me sinto feliz quando estou apenas comigo mesmo.
- Será? Bem, eu também comecei a me sentir sozinha nos últimos dias. Parece que eu sinto um vazio...
- Hum, entendo. Eu também sinto isso, mas...
- Tem medo de demonstrar isso às outras pessoas, não é? É por isso que você é tão anti-social?
- Bem... hã... sim.
- Eis o verdadeiro Júlio se revelando. Engraçado que ainda assim você é tão sincero...
- Sinceridade não quer dizer necessariamente que eu esteja falando aquilo conscientemente.
- Sim, me lembro da época em que você gostava secretamente da Bianca, e escreveu textos românticos nunca entregues a ela.
- Que droga, gostaria de ser menos explícito sobre meus sentimentos!
- Sinto muito, cara, mas discrição e sutileza são características que você jamais teve.
- Eu sou tão amargo, me sinto mal por isso. Mas não faço nada para mudar.
- Não seria você um egocêntrico?
- Mas é claro que sim! Eu só penso em mim mesmo, me vejo como o centro das atenções. E não por ser extrovertido e comunicativo, como as outras pessoas, mas justamente por ser tímido e frio.
- Isso pode ser perigoso para você. Lembre-se de quatro meses atrás... você teve sérios problemas.
- Nem me fale daquela época... você sabe bem o quanto eu chorei.
- Mas você realmente não se incomoda dos outros saberem da sua vida? Eu sempre me incomodo quando ficam sabendo coisas de mim...
- Sei lá,. talvez eu despreze tanto a humanidade que criei uma bolha social. E se os outros conseguem estourá-la, eu continuo o mesmo, encolhido, fingindo que nada aconteceu.
- Você se sente com depressão ou outro problema?
- Não, é justamente aí que pega! Eu sempre coloco na minha cabeça que isso é apenas coisa da adolescência, essas dúvidas, e problemas emocionais... mas estou começando a mudar de idéia.
- Pô, acho isso tão estranho... você, na escola, também age como uma espécie de autista. Senta no canto, pega várias cadeiras para colocar seus pés e seus pertences, e coloca o discman ou lê um livro, como se nem ligasse para o resto do mundo.
- As pessoas notam isso? Pô, achei que ninguém prestasse atenção nisso.
- Não se faça de ingênuo, Júlio. Você sabe que é especial para os seus amigos. Quando você quer é uma pessoa maravilhosa. Mas parece que ignora isso, quer criar pra si mesmo uma imagem falsa, a de um eremita que não fala com ninguém... bem, acho que já falamos o suficiente sobre você, talvez um psicólogo o faça melhor do que eu. Agora vamos resolver os meus problemas. =D

E assim se fez. Júlio, por incrível que pareça, conseguiu dar bons conselhos pra Carla, e a deixou menos triste pelo fim do namoro. Ela adorou aquela conversa, e percebeu a característica mais marcante de seu amigo - ele era carente, só queria alguém para lhe dar atenção, o escutar. E logo depois disso, ele sempre se sentia melhor, e retribuía o favor ajudando seus amigos. Talvez ele fosse muito mais do que o garoto mau-educado e anti-social que aparentava ser aos pré-conceitos de pessoas que não o conheciam bem.